sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

António Aleixo


António Fernandes Aleixo (Vila Real de Santo António, 18 de Fevereirode 1899 — Loulé, 16 de Novembro de 1949) foi um dos poetaspopulares algarvios de maior relevo, famoso pela sua ironia e pela crítica social sempre presente em seus versos. Também é recordado por ter sido simples, humilde e semi-analfabeto, e ainda assim ter deixado como legado uma obra poética singular no panorama literário português da primeira metade do século XX.
No emaranhado de uma vida recheada de pobreza, mudanças de emprego, imigração, tragédias familiares e doenças, na sua figura de homem humilde e simples, havia o perfil de uma personalidade rica, vincada e conhecedora das diversas realidades da cultura e sociedade do seu tempo. Do seu percurso de vida fazem parte profissões como tecelão, guarda de polícia, servente de pedreiro, trabalho este, que emigrado, também exerceu em França.
De regresso ao seu país natal, restabeleceu-se novamente em Loulé, onde passou a vender cautelas e a cantar as suas produções pelas feiras portuguesas, actividades que se juntaram às suas muitas profissões e que lhe renderia a alcunha de "poeta-cauteleiro". Faleceu por conta de uma tuberculose, em 16 de Novembro de 1949, doença que tempos antes havia também vitimado uma de suas filhas.

Eu não tenho vistas largas,                                                               
Nem grande sabedoria,
Mas dão-me as horas amargas
Lições de filosofia.

Nem amor nem heroísmo
Tinha a nossa vida atroz,
Se o nosso grande cinismo
“Cá dentro tivesse voz”

Forçam-me, mesmo velhote,
De vez em quando, a beijar
A mão que brande o chicote
Que tanto me faz penar.
 Tem quase um palmo de boca,
Não pode guardar segredos;
Porém a testa é que é pouca:
Tem pouco mais de dois dedos.

Vem da serra um infeliz
Vender sêmea por farinha;
Passado tempo já diz:
­_esta rua é toda minha.

Mentiu com habilidade,
Fez quantas mentiras quis;
Agora fala verdade,
Ninguém crê no que ele diz.

Se fazes tudo às avessas,
Para que prometes tanto?
Não me faças mais promessas,
Bem sabes que não sou santo.

Não vás contar a ninguém
As histórias que não sabes;
Nem assim entrarás bem
No lugar em que não cabes.

Uma mosca sem valor
Poisa, c’o a mesma alegria
 Na careca de um doutor
Como em qualquer porcaria.


Foges de mim, sei porquê;
Quer’s ser grande, não estranho:
Receias que quem nos vê
Te julgue do meu tamanho.

Ès parvo, mas és distinto,
Só vês bem o que tens perto;
Não compreendes que te minto
Quando te trato por esperto?

Deixam-me sempre confuso
As tuas palavras boas,
Por não te ver fazer uso
Dessa moral que apregoas.

São parvos não rias deles,
Deixa-os ser, que não são sós;
Às vezes rimo daqueles
Que valem mais do que nós.

À guerra não ligues meia,
Porque alguns grandes da terra
Vendo a guerra em terra alheia
Não querem que acabe a guerra

Tenho fé nas almas puras,
Embora viva enganado;
Não troco esperanças futuras
Pelas glórias do passado.

Que importa perder a vida
Em luta contra a traição,
Se a razão, mesmo vencida,
Não deixa de ser razão?

Vós que lá do vosso império
Prometeis um mundo novo,
Calai-vos, que pode o povo
Querer um mundo novo a sério.

Eu não sei porque razão
Certos homens, a meu ver,
Quanto mais pequenos são
Maiores querem parecer.

(António Aleixo)
“Este livro que vos deixo…”


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