António Fernandes Aleixo (Vila Real de Santo António, 18 de Fevereirode 1899 — Loulé, 16 de Novembro de 1949) foi um dos poetaspopulares algarvios de maior relevo, famoso pela sua ironia e pela crítica social sempre presente em seus versos. Também é recordado por ter sido simples, humilde e semi-analfabeto, e ainda assim ter deixado como legado uma obra poética singular no panorama literário português da primeira metade do século XX.
No emaranhado de uma vida recheada de pobreza, mudanças de emprego, imigração, tragédias familiares e doenças, na sua figura de homem humilde e simples, havia o perfil de uma personalidade rica, vincada e conhecedora das diversas realidades da cultura e sociedade do seu tempo. Do seu percurso de vida fazem parte profissões como tecelão, guarda de polícia, servente de pedreiro, trabalho este, que emigrado, também exerceu em França.
De regresso ao seu país natal, restabeleceu-se novamente em Loulé, onde passou a vender cautelas e a cantar as suas produções pelas feiras portuguesas, actividades que se juntaram às suas muitas profissões e que lhe renderia a alcunha de "poeta-cauteleiro". Faleceu por conta de uma tuberculose, em 16 de Novembro de 1949, doença que tempos antes havia também vitimado uma de suas filhas.
Eu
não tenho vistas largas,
Nem
grande sabedoria,
Mas
dão-me as horas amargas
Lições
de filosofia.
Nem
amor nem heroísmo
Tinha
a nossa vida atroz,
Se o
nosso grande cinismo
“Cá
dentro tivesse voz”
Forçam-me,
mesmo velhote,
De vez
em quando, a beijar
A mão
que brande o chicote
Que
tanto me faz penar.
Tem
quase um palmo de boca,
Não
pode guardar segredos;
Porém
a testa é que é pouca:
Tem
pouco mais de dois dedos.
Vem
da serra um infeliz
Vender
sêmea por farinha;
Passado
tempo já diz:
_esta
rua é toda minha.
Mentiu
com habilidade,
Fez
quantas mentiras quis;
Agora
fala verdade,
Ninguém
crê no que ele diz.
Se
fazes tudo às avessas,
Para
que prometes tanto?
Não
me faças mais promessas,
Bem
sabes que não sou santo.
Não
vás contar a ninguém
As
histórias que não sabes;
Nem
assim entrarás bem
No lugar
em que não cabes.
Uma
mosca sem valor
Poisa,
c’o a mesma alegria
Na careca de um doutor
Como
em qualquer porcaria.
Foges
de mim, sei porquê;
Quer’s
ser grande, não estranho:
Receias
que quem nos vê
Te julgue
do meu tamanho.
Ès parvo,
mas és distinto,
Só vês
bem o que tens perto;
Não
compreendes que te minto
Quando
te trato por esperto?
Deixam-me
sempre confuso
As tuas
palavras boas,
Por
não te ver fazer uso
Dessa
moral que apregoas.
São
parvos não rias deles,
Deixa-os
ser, que não são sós;
Às vezes
rimo daqueles
Que
valem mais do que nós.
À guerra
não ligues meia,
Porque
alguns grandes da terra
Vendo
a guerra em terra alheia
Não
querem que acabe a guerra
Tenho
fé nas almas puras,
Embora
viva enganado;
Não
troco esperanças futuras
Pelas
glórias do passado.
Que
importa perder a vida
Em luta
contra a traição,
Se a
razão, mesmo vencida,
Não
deixa de ser razão?
Vós
que lá do vosso império
Prometeis
um mundo novo,
Calai-vos,
que pode o povo
Querer
um mundo novo a sério.
Eu
não sei porque razão
Certos
homens, a meu ver,
Quanto
mais pequenos são
Maiores
querem parecer.
(António
Aleixo)
“Este
livro que vos deixo…”
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